quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Broncoscopia

Quando o estagiário metido a House disse que eu tinha uma simples "sujeirinha no pulmão", e que logo iria passar meu acesso furioso de tosse, eu não me preocupei. Apesar de incomodar metade da minha sala de aula, o cinema, o meu irmão, a mim mesmo.

Passaram quase duas semanas e a maldita tosse persistia em me aterrorizar. Eu já estava começando a ter pesadelos psico-freudianos com isso. Eu sonhava que a tosse era um buldogue faminto e gigante e eu estava nu com muito molho madeira espalhado pelo corpo, sobre uma churrasqueira gigante, enquanto ele ria e dizia "Cof, cof, cof...".

Era terrível. E foram duas semanas. Em muitos dias eu tinha um pouquinho de vergonha de ir pro cursinho e ter de aguentar todo mundo dizendo "Olha que garoto irritante, fica tossindo", como se a tosse fosse algo totalmente voluntário e que quando eu me sentisse confortável eu iria para de tossir.

Pois é, minha vó queria que eu frequentasse mais médicos. Uma vez que seu marido, meu avô, morreu de cancêr de pulmão.
Mas o estagiário estava certo de si mesmo, e era uma sujeirinha.

Foi quando minha mãe deciciu procurar um Pneumologista qualificado.

A minha primeira consulta foi muito confortável. o Dr. Alípio me deixou muito aliviado quando disse (antes de qualquer coisa) que eu iria sobreviver, e que provavelmente era alergia provocada pela minha renite hereditária.

Maldita renite hereditária. Maldita coceirinha no nariz. Maldita excessiva produção de catarro.

Tossi longo um mês por causa de uma alergia mal-tratada, e por conta disso agora eu tinha que tomar remédios, anti-alérgicos, anti-bióticos, anti-inflamatórios, analgésicos...

"E nós também vamos fazer uma broncoscopia pra poder ter certeza de que está tudo bem".

Bronco o quê?

Provavelmente todo mundo sabe o que é uma Endoscopia, mas caso não saiba, é simples: quando alguém tem ataques nervosos de úlcera, um cano com uma lente na ponta é introduzida pela boca pra poder bater fotografias do estômago e todo o sistema digestivo.

Agora, eu estava num pneumologista (pra quem não sabe, médico especialista em patologias pulmonares), e me dizendo que eu faria algo semelhante a uma endoscopia.

Dá pra imaginar por onde o cano ia entrar?

Não, não era por baixo.

E sim, era pelo nariz.

A enfermeira disse que o bom seria se eu ficasse acordado enquanto o cano era introduzido, para fazer uma leitura melhor... Terror psicológico. Mais um pouco e essa sessão se transformaria em uma das continuações da série Jogos Mortais.

Quando eu deitei na maca que eu faria a tortura, uma enfermeira gordinha e simpática colocou aqueles bagulhos no meu dedo que até então eu só tinha visto em filme. Sem fazer furinhos nem nada, o "prendedorzinho" no meu dedo media o nivel de oxigênio no sanguê, glicose, batimento cardíaco e se der bobeira ainda preparava um cafézinho.

E tinha também aquela máquina que faz "PIII... PIII... PIII..." que quase ninguém sabe pra que serve, e nem eu. E não é a de batimento cardíaco.

Só pra esclarecer: O dia da consulta e da broncospia foram dias distintos, mas vou economizar.

Eu fiz a broncoscopia numa sexta feira, e domingo seria páscoa.

Quando o Dr. Alípio entrou na ala que eu estava, ele pegou um gelzinho e passou no meu nariz e disse "Nem tenta respirar pelo nariz..." porque logo em seguida ele entopiu, e eu me senti desesperado.

"Pode aplicar 2 mg" ele disse, e a enfermeira gordinha veio com uma seringa. A essa altura eu já estava tendo umas alucinações, é porque eu morro de medo de hospital. Medo mesmo. Tipo medo de escuro. E pra ajudar, meu nariz tava tapadaço. Tipo aquele comercial de tinta que o cheiro some depois de apenas três horas e o casal alternativo fica na chuva pra tampar o nariz.

"Pode aplicar 2 mg" ele disse, me olhou com um sorrisinho de mafioso após torturar um devedor e disse "Até amanhã". E eu dormi.

Quando acordei, minha maca estava sendo levada para aquela sala em que as pessoas ficam após uma ciruriga, para recuperação, alimentação, conversa com os parentes e outras vitimas dos médicos açogueiros.

Eu estava tendo fortes alucinações, e estava morrendo de frio. A primeira coisa que eu lembro de ter dito foi pro enfermeiro bombado e estressado com a vida: "Me arruma um cobertor, tio?" e ele fechou a cara ainda mais e enfiou o tudo de oxigênio na minha cara e disse "Respira isso que você se sente melhor" e não me trouxe um cobertor.

E é sério, eu tava morrendo de frio.

Enquanto respirava o oxigênio SUPER GELADO, eu acho que passei a ter mais alucinações.
"Já é Páscoa?" perguntei. Uma mulher me olhou estranho, e me senti um viciado em drogas pesadas sendo discriminado pela massa alienada. "Já passou a Páscoa? Perdi o Coelhinho e os chocolates?", e ela me olhou mais fio ainda. Mas foi o filho dela, que tinha operado o joelho (a gente houve várias histórias incríveis numa sala de recuperação hospitalar) após um acidente de moto (eu disse que era incrível) que começou a rir e entendeu minha situação (por que momentos antes ele deveria estar na mesma, mas não tinha ninguém pra compartilhar). Tinha também um senhorzinho muito sábio sentado num canto da sala, que ao ver minha situação e analisar, perguntou, sabiamente "Você fuma, Bob?" (e meu nome é Gabriel...) "Não, senhor", respondi, e ele começou a contar que fumava desde os doze anos de idade, e toda a sua sabedoria foi por água abaixo com aquelas histórias de que se tivesse parado teria morrido de acidente de carro ou caído de uma janela do milésimo andar.

O cara do meu lado também tinha entendido a minha situação. "É, essa sala é mesmo fria... Tive de dar muitos telefonemas pra conseguir esse cobertor". E eu tive certeza que o Oxigênio continha gases nocivos a sanidade dos internados.

A fome apertou, porque eu estava de jejum desde as dez da noite e já eram onze e quinze da manhã (tinha um relógio de cozinha lá na parede, perto da porta).
Quando a comida chegou, era um pão integral com queijo minas frescal e peito de peru, uma gelatina verde, um suquinho de sabor indefinido e cor amarela (podia ser abacaxi, maracujá, laranja, pêssego ou manga. Podia ser até morango ou uva, por que era realmente impossível de identificar). Minha mãe chegou junto e falou um monte de coisas que eu não entendi nada, mas era alguma coisa haver com ela ficar enternada, meu irmão, meus avôs, e sei lá, acho que era isso.

Nesse momento eu comecei a raciocinar:
Eu cheguei no hospital as nove da manhã, entrei na ala pra broncoscopia as onze da manhã e ainda eram onze e quinze?

Cara, o médico foi muito rápido, contando os minutinhos que a enfermeira gordinha colocou o "prendedorzinho" no meu dedo, o doutor colocou o gelzinho no meu nariz e depois fui dopado.

Realmente, muito rápido.

No mesmo dia, cortei o cabelo e eu fui pra Estreito. Outra história, outro dia.

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