segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Love is in the Air...

A tragicômica novela do amor nem sempre é algo inerente dos sofredores poetas boêmios, perdidos na noite solitária de uma cidade mesquinha e hostil.

Tampouco é assunto para ser discutido em fóruns mundiais de cidadania e técnologias de avanços fisico-quimico-biologico-científicos, cuja a única finalidade, afinal de contas, é alongar cada vez mais o tempo de vida do ser humano. Até onde eu sei, a meta é atingir os duzentos anos.

A verdade é que a mais pura inocência consiste em preservar o único e óbvio motivo de termos alguém para amar e sempre lembrar, por mais terrível que seja, de alguém que nos quer muito bem, ou muito mal. Por que amar nem sempre é algo muito bom, ou algo muito mal.

E eu tinha uns sete anos quando amei pela primeira vez.

Eu não sei se eu lembro direito como foi tudo, mas foi muito mágico.
A familia dela era toda estranha, o pai dela (que não era pai de verdade), chamava Roberto e a mãe dela chamava Carla, que havia nascido na Angola e vindo pro Brasil quando criança. Por lá ser um país de origem portuguesa, ela falava portugues apenas.
O pai verdadeiro dela chamava Edmundo, e por algum motivo, eu não gostava dele. E eu só vi esse cara uma vez na minha toda vida. Talvez fosse pelo jogador do Palmeiras, o Edmundo Animal.

Como eu dizia, ela tinha uma familia toda estranha. Eu nunca soube como eles conheceram meus pais (quando eles ainda eram casados. Dá pra imaginar há quanto tempo foi isso?), mas eu sei que eles eram super unidos. Íamos sempre à casa deles e eles vinham sempre em casa.

Foi com a Carla que eu aprendi as palavras "Conosco", "Pousar (para quando se dorme fora de casa)" e "Óbvio". E ela (a Carla) era mais fanática por bolacha passatempo do que eu!

Realmente era uma família muito estranha, porque até então, eu tinha em minha mente que adultos não comiam doces, apenas coisas ruins e salgadas, tipo bolos salgados, bolachas de água e sal e patês.

E eu não falei o nome dela ainda! Mas isso não importa, quando der eu falo.

Eu também nunca soube no que os pais dela trabalhavam, só sei que ultimamente eles estão muito bem de vida, obrigado.

Eu também não lembro do dia em que eu a conheci, só lembro que de repente nós eramos os melhores amigos do universo, eu, ela e o irmão dela, Thyago.

Dormi muitos dias na casa deles e eles muitos dias em casa. Gostávamos de brincar de muitas coisas estranhas, tipo, vestir fantasias e servir as pessoas como num restaurante étnico de variados países. Por exemplo, ela, a recepcionista Indiana, eu, o garçom chinês eo Thyago, o cara que entretia as pessoas, lutando boxe, só não se sabe de que lugar do mundo. Talvez EUA, pelas luvas.

Havia também bastante festas que meu irmão fazia na casa da vizinha dela, cuja a mãe também era amiga da minha mãe (olha que mundinho pequeno), e que a gente ia de besta ouvir Raimundos e ficar com medo das letras...

"Entrei no trem, esporrei na manivela
E o cobrador filha-da-puta me jogou pela janela
Caí de quatro, como caralho arregalado
E uma velha muito escrota me mando pro delegado
O delegado tinha cara de viado e me mando tomar no cú (hei!)
Tomei no cú, mas tomei no cú errado
Quando eu menos percebi era o cú do delegado"


Realmente, muito agressiva pra minha idade.
Muitas destas festas eram a fantasia, e eu já fui de tudo! Fantasma, pirata, gosma, estudante...
Sei lá...

O nome dela era Milay, e a gente estava num quarto escuro, se escondendo do irmão dela, brincando de esconde-esconde, dentro de um armário, quando ela me deu um beijo na boca.

É, um beijo na boca.
Quando a gente tem sete anos, isso é muito distante, mas ela, que tinha oito anos, me deu um beijo na boca.

Não foi um beijo de novela, nem de filme de drama ou porno... Foi apenas um beijinho. Um segundo que durou uma eternidade.

Foi o meu primeiro beijo na boca.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Broncoscopia

Quando o estagiário metido a House disse que eu tinha uma simples "sujeirinha no pulmão", e que logo iria passar meu acesso furioso de tosse, eu não me preocupei. Apesar de incomodar metade da minha sala de aula, o cinema, o meu irmão, a mim mesmo.

Passaram quase duas semanas e a maldita tosse persistia em me aterrorizar. Eu já estava começando a ter pesadelos psico-freudianos com isso. Eu sonhava que a tosse era um buldogue faminto e gigante e eu estava nu com muito molho madeira espalhado pelo corpo, sobre uma churrasqueira gigante, enquanto ele ria e dizia "Cof, cof, cof...".

Era terrível. E foram duas semanas. Em muitos dias eu tinha um pouquinho de vergonha de ir pro cursinho e ter de aguentar todo mundo dizendo "Olha que garoto irritante, fica tossindo", como se a tosse fosse algo totalmente voluntário e que quando eu me sentisse confortável eu iria para de tossir.

Pois é, minha vó queria que eu frequentasse mais médicos. Uma vez que seu marido, meu avô, morreu de cancêr de pulmão.
Mas o estagiário estava certo de si mesmo, e era uma sujeirinha.

Foi quando minha mãe deciciu procurar um Pneumologista qualificado.

A minha primeira consulta foi muito confortável. o Dr. Alípio me deixou muito aliviado quando disse (antes de qualquer coisa) que eu iria sobreviver, e que provavelmente era alergia provocada pela minha renite hereditária.

Maldita renite hereditária. Maldita coceirinha no nariz. Maldita excessiva produção de catarro.

Tossi longo um mês por causa de uma alergia mal-tratada, e por conta disso agora eu tinha que tomar remédios, anti-alérgicos, anti-bióticos, anti-inflamatórios, analgésicos...

"E nós também vamos fazer uma broncoscopia pra poder ter certeza de que está tudo bem".

Bronco o quê?

Provavelmente todo mundo sabe o que é uma Endoscopia, mas caso não saiba, é simples: quando alguém tem ataques nervosos de úlcera, um cano com uma lente na ponta é introduzida pela boca pra poder bater fotografias do estômago e todo o sistema digestivo.

Agora, eu estava num pneumologista (pra quem não sabe, médico especialista em patologias pulmonares), e me dizendo que eu faria algo semelhante a uma endoscopia.

Dá pra imaginar por onde o cano ia entrar?

Não, não era por baixo.

E sim, era pelo nariz.

A enfermeira disse que o bom seria se eu ficasse acordado enquanto o cano era introduzido, para fazer uma leitura melhor... Terror psicológico. Mais um pouco e essa sessão se transformaria em uma das continuações da série Jogos Mortais.

Quando eu deitei na maca que eu faria a tortura, uma enfermeira gordinha e simpática colocou aqueles bagulhos no meu dedo que até então eu só tinha visto em filme. Sem fazer furinhos nem nada, o "prendedorzinho" no meu dedo media o nivel de oxigênio no sanguê, glicose, batimento cardíaco e se der bobeira ainda preparava um cafézinho.

E tinha também aquela máquina que faz "PIII... PIII... PIII..." que quase ninguém sabe pra que serve, e nem eu. E não é a de batimento cardíaco.

Só pra esclarecer: O dia da consulta e da broncospia foram dias distintos, mas vou economizar.

Eu fiz a broncoscopia numa sexta feira, e domingo seria páscoa.

Quando o Dr. Alípio entrou na ala que eu estava, ele pegou um gelzinho e passou no meu nariz e disse "Nem tenta respirar pelo nariz..." porque logo em seguida ele entopiu, e eu me senti desesperado.

"Pode aplicar 2 mg" ele disse, e a enfermeira gordinha veio com uma seringa. A essa altura eu já estava tendo umas alucinações, é porque eu morro de medo de hospital. Medo mesmo. Tipo medo de escuro. E pra ajudar, meu nariz tava tapadaço. Tipo aquele comercial de tinta que o cheiro some depois de apenas três horas e o casal alternativo fica na chuva pra tampar o nariz.

"Pode aplicar 2 mg" ele disse, me olhou com um sorrisinho de mafioso após torturar um devedor e disse "Até amanhã". E eu dormi.

Quando acordei, minha maca estava sendo levada para aquela sala em que as pessoas ficam após uma ciruriga, para recuperação, alimentação, conversa com os parentes e outras vitimas dos médicos açogueiros.

Eu estava tendo fortes alucinações, e estava morrendo de frio. A primeira coisa que eu lembro de ter dito foi pro enfermeiro bombado e estressado com a vida: "Me arruma um cobertor, tio?" e ele fechou a cara ainda mais e enfiou o tudo de oxigênio na minha cara e disse "Respira isso que você se sente melhor" e não me trouxe um cobertor.

E é sério, eu tava morrendo de frio.

Enquanto respirava o oxigênio SUPER GELADO, eu acho que passei a ter mais alucinações.
"Já é Páscoa?" perguntei. Uma mulher me olhou estranho, e me senti um viciado em drogas pesadas sendo discriminado pela massa alienada. "Já passou a Páscoa? Perdi o Coelhinho e os chocolates?", e ela me olhou mais fio ainda. Mas foi o filho dela, que tinha operado o joelho (a gente houve várias histórias incríveis numa sala de recuperação hospitalar) após um acidente de moto (eu disse que era incrível) que começou a rir e entendeu minha situação (por que momentos antes ele deveria estar na mesma, mas não tinha ninguém pra compartilhar). Tinha também um senhorzinho muito sábio sentado num canto da sala, que ao ver minha situação e analisar, perguntou, sabiamente "Você fuma, Bob?" (e meu nome é Gabriel...) "Não, senhor", respondi, e ele começou a contar que fumava desde os doze anos de idade, e toda a sua sabedoria foi por água abaixo com aquelas histórias de que se tivesse parado teria morrido de acidente de carro ou caído de uma janela do milésimo andar.

O cara do meu lado também tinha entendido a minha situação. "É, essa sala é mesmo fria... Tive de dar muitos telefonemas pra conseguir esse cobertor". E eu tive certeza que o Oxigênio continha gases nocivos a sanidade dos internados.

A fome apertou, porque eu estava de jejum desde as dez da noite e já eram onze e quinze da manhã (tinha um relógio de cozinha lá na parede, perto da porta).
Quando a comida chegou, era um pão integral com queijo minas frescal e peito de peru, uma gelatina verde, um suquinho de sabor indefinido e cor amarela (podia ser abacaxi, maracujá, laranja, pêssego ou manga. Podia ser até morango ou uva, por que era realmente impossível de identificar). Minha mãe chegou junto e falou um monte de coisas que eu não entendi nada, mas era alguma coisa haver com ela ficar enternada, meu irmão, meus avôs, e sei lá, acho que era isso.

Nesse momento eu comecei a raciocinar:
Eu cheguei no hospital as nove da manhã, entrei na ala pra broncoscopia as onze da manhã e ainda eram onze e quinze?

Cara, o médico foi muito rápido, contando os minutinhos que a enfermeira gordinha colocou o "prendedorzinho" no meu dedo, o doutor colocou o gelzinho no meu nariz e depois fui dopado.

Realmente, muito rápido.

No mesmo dia, cortei o cabelo e eu fui pra Estreito. Outra história, outro dia.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Dust in the Wind...

Não era lá uma boa idéia morar na rua Maria de Lourdes de Souza Beraldo em meados dos anos 90.

Certamente, o bairro composto quase que inteiramente por senhores e senhoras aposentados tentando levar uma velhice normal e saudável não tinha dado certo, uma vez que o restante das casas ocupadas eram de jovens casais com filhos entre 7 e 10 anos de idade.

E foi lá que começou a maior estória de um grupo de amigos que um ser-humano pode imaginar.

Eram aproximadamente três horas da tarde de umas férias de verão muito corriqueira. A sociedade não perdia por esperar quando o clubinho estivesse completamente pronto. Mas enquanto isso não acontecia, nós jogávamos controle na frente de casa.

O muro da casa da Dona Carminha, que era esposa do deputado estadual Bolinha, servia de gol. E era bom, porque era alto e tinha marcações perfeitas para servir de travessão.

E era a vez de o Julian e o Matheus Bacochina ficarem na linha e o Josemar no gol. Eu, Bernardo e Gabriel Grande (sim, eu era o Gabriel Pequeno), estávamos esperando.

Eu estava muito entediado, quando ao olhar pro lado, notei uma caixinha de fósforo esquecida pelos pedreiros que estavam reformando o quintal de casa, que estava sendo usado provisóriamente como escritório dos negócios do meu pai.

Peguei o insumo do chão e comecei a riscá-los e apagar contra o montante de areia na minha calçada. Ao ver inocente brincadeira, Gabriel Grande e Bernardo matutaram um plano infalível, e quando o Matheus Bacochina perdeu a linha pro Josemar e eu fui pro gol, Bernardo e Gabriel Grande se apossaram da caixinha de fósforos.

Estava 2 à 1 pra mim (modéstia a parte, eu era um bom goleiro, mas essa é uma história que eu conto outro dia), quando uma fumaça surgiu do lote vizinho da casa da Dona Luiza (que era a minha vizinha). Fomos todos correndo para ver o motivo do fogaréu, e vimos o Bernardo e o Gabriel Grande fazendo uma fogueira meio a um capinzal (devido à um corte recente do alto mato, o mesmo secou e gerou alto teor de capim). Ao ver que o fogo se alastraria, com uma insuperável inocência pudemos ouvir o Gabriel Grande dizer "JOGA PALHA ENCIMA PRA APAGAR O FOGO!"

Jogar palha encima de fogo, pra apagar o fogo?

JOGAR PALHA ENCIMA DE FOGO, PRA APAGAR O FOGO?!!

Meu deus do céu! Foi nesse dia que eu tive certeza que o Gabriel Grande era doente da cabeça!

Não deu muito tempo de falar "NÃO!" que ele e o Bernardo jogaram o máximo de capim que eles conseguiram, pra "apagar o fogo".

E o inferno estava feito. Só faltou Lúcifer subir para a superficie. O fogo se alastrou rapidamente por todo o terreno baldio, o Bernardo desesperado foi chamar o seu primo mais velho Roberto (que era melhor amigo do Gabriel Grande), e nós começamos uma ação para apaziguar o fogo.

Armados de pás e enxadas, coletamos a maior quantidade de areia possível para poder apagar o inferno de Dante.

Enquanto corríamos desesperados para poder amenizar a situação, para que não pegasse fogo a casa de Dona Luiza, fui chamar meu pai, os bombeiros, a polícia, a defesa civil, o presidente da república.

Meu pai, ao ouvir que o lote estava o inferno, pegando fogo, ele largou seus afazeres para dar um fim na situação, pegou o extintor do carro (ééé... o extintor do carro... grande solução para o problema...) e foi correndo até o lote. Chegou lá, viu o fogo ralinho e disse "Ah, eu achei que tinha pegado fogo na casa da Dona Luiza".

Meu! O inferno correndo solto, a gente se matando pra apagar o fogo e meu pai fala que "Tá tudo bem, isso não é nada"?

Quando nos demos conta, percebemos que eram apenas labaredas curtas que não fariam mal a ninguém e que logo que acabasse o capim, ela se extinguiria.

Apesar de termos inalados uma tonelada de fumaça, termos queimados nossos tênis e sujado nossas roupas, ainda por cima tivemos de ouvir a maior bronca do pai do Bernardo, o Tio Rod, o senhor da sabedoria. Pra mim, ele até hoje é o homem mais inteligente do Mundo. Mas essa também é uma outra história.